Dias atrás eu li um artigo no The New York Times que falava sobre como o tipo de férias que você tira pode dizer bastante ao seu respeito. Achei o texto tão bacana que fiquei pensando com meus botões sobre as viagens que tenho feito ultimamente e deu vontade de escrever sobre elas novamente. A audiência do blog é mais de 90% de acessos em busca de receitas. E por isso, mesmo que um dos temas aqui sejam minhas viagens, eu as estava negligenciando. Resolvi por um fim nisso. E decidi recomeçar pela viagem que fizemos pelo Rio Mississippi em dezembro de 2013.
O barco, na primeira parada que fez para visitarmos as Plantations da Louisiana.
Desde que chegamos aos EUA, eu saí pesquisando lugares pra irmos, coisas que eu queria ver, cidades que queria conhecer, pontos turísticos, etc. Um dia, sem querer, esbarrei num artigo que mostrava esse passeio pelo rio Mississippi num barco a vapor. Fiquei com esse passeio na listinha de sonhos, porque ele era muito caro e proibitivo, porém bastante interessante e inusitado. Daí, tempos depois minha mãe quis vir passar o natal conosco, por conta da morte da minha avó. Ela queria fazer um cruzeiro, mas odeia praia e os que saem daqui de Miami em dezembro só fazem o roteiro do Caribe. Comentei sobre esse passeio, frisando que era um sonho, porque caro, e ela insistiu pra que eu pesquisasse mais sobre ele. Na mesma noite eu recebi a newsletter da empresa, oferecendo 50% de desconto no passeio de Holidays e eu pensei: "É agora!". Todos toparam entusiasmados. E daí nós fomos.
O barco ancorado no porto de NOLA. Fomos recebidos com banda de Jazz e tudo.
A empresa oferece passeios que sobem ou descem o rio, com temas diversos (Guerra Civil, Música, Literatura e Festividades de fim de ano) e vários pontos de partida e chegada (New Orleans - Memphis; Memphis - Cincinnati, Cincinnati - St. Louis, etc). Como viajamos no inverno, tivemos um pouco de cada um dos temas incluídos no programa de 8 dias embarcados, que é a programação do período de feriados de fim de ano. Escolhemos o trecho Nova Orleans - Memphis por conta da estação e os outros trechos seriam inviáveis, porque mais ao norte do país. Os outros trechos devem ser ótimos, mas só em outras épocas do ano. Eu iria em todos se pudesse!
É importante dizer que este é um passeio pensando pra o americano. Isso é legal porque é o tipo de viagem onde você pode conhecer o que são os Estados Unidos, fora das bolhas que os pontos turísticos mais procurados pelos brasileiros costumam ser. Por outro lado, não é fácil encontrar um funcionário que fale português no barco. No nosso, tinha um que estava aprendendo a língua, mas falava e compreendia muito pouco. Portanto, se você não fala e nem entende nada de inglês, nem ninguém da turma que vai viajar, faça outros planos. Apesar de a equipe do barco ser super solícita, o passeio seria um tanto quanto frustrante pela barreira da língua. Nos passeios os guias falam só inglês também, eu tive de traduzir tudo pros meus pais.
Um barco a vapor menor, mas semelhante ao nosso, na saída de Nova Orleans.
Quando fomos, éramos os únicos estrangeiros além de uma família de chineses e um casal suíço. Os outros 300 hóspedes eram americanos mais velhos, na casa dos 70 anos pra cima. Havia uma família jovem com crianças, mas a maioria dos hóspedes eram americanos aposentados aproveitando a vida. Porém, isso não significa dizer que é um cruzeiro de jogo de biriba, não! Foi bastante divertido, eles eram todos muito animados, conversadores interessados e simpáticos. A programação do barco era bem movimentada também! Além disso, 3 refeições diárias bem servidas, à vontade! Vou tentar escrever um pouco sobre as paradas do barco:
Escadaria que dá acesso ao primeiro piso do barco, onde ficavam o teatro, o bar, o piano lounge e o restaurante. Pra ver mais fotos do interior do barco, clique aqui.
Nova Orleans
Nós decidimos subir o rio, partindo do seu delta. Chegamos um dia mais cedo pra poder curtir um pouco a cidade, mas vou falar sobre ela em outro post, porque voltamos lá recentemente. O pacote incluía uma diária de hotel em NOLA, onde fomos recepcionados pela equipe da empresa, que tomou todas as providências para o nosso embarque. Saímos da cidade no fim da tarde e fizemos nossa primeira refeição à bordo do barco.
Codornas assadas e acompanhamento. Os pratos não eram muito bem montados, mas a comida era bem feita. Havia sempre opção entre buffet e serviço a la carte. Incluído, uma taça de vinho ou cerveja. Se quisesse algo diferente, teria de ser pago por fora, no cartão magnético do barco.
A cada dia 3 opções de prato principal. Ainda tinha entrada e sobremesa. No almoço e no jantar. Tive de tormar cuidado pra não voltar rolando pra casa, porque era muita comida. E ainda tinha um café com petiscos (sorvete, cookies, pipoca, etc.) disponível para boquinhas ao longo do dia. E bebidas quentes! Afe...
Oak Alley e Laura Plantations
Vista da casa principal, quando os portões de entrada ainda estava fechados. Logo cedinho pela manhã, já estávamos na porta. Estes carvalhos enfileirados já existiam antes da construção da casa. São 28 no total e alguns têm mais de 300 anos! Passar por este corredor arborizado é uma sensação incrível. E pensar que certamente esta fazenda foi palco de tantas injustiças...
Fomos recebidos por funcionários trajados como na época da escravidão. Uma questão de ambientação que ocorre com muita frequência em casas históricas do sul. Para acessar o site da fazenda, clique no nome dela em destaque logo abaixo.
Estas são duas fazendas remanescentes do período escravocrata dos EUA. Ambas tornaram-se ponto de visitação turística e foi interessante ver as duas, porque enquanto a OAK Alley é grandiosa, parecida com as casas onde filmaram "E o Vento Levou..." e "Forrest Gump", Laura já é uma fazenda onde é possível vermos, inclusive, as listas com os nomes dos escravos que pertenceram à ela. Há passeios guiados nas duas, em inglês. Uma curiosidade sobre a OAK Alley é que a novela americana "Days of our Lives" teve episódios gravados nela. A original, não a que o Joey de Friends fazia, bem entendido. Outra coisa é que na OAK há vários funcionários vestidos com roupas da época, meio que para simular a experiência de volta ao passado. Aliás, este tipo de abordagem é muito comum nas casas históricas que visitamos nestas férias e em outros lugares no sul do país. A inclinação para o entretenimento dos americanos está sempre presente, em tudo. E sempre com as indefectíveis lojinhas o fim do tour! Foi um passeio muito bacana e instrutivo.
Fonte: https://teresastraveladventures.files.wordpress.com/2012/08/img_2909.jpg
A Laura é uma fazenda Creole, ou seja, uma propriedade de europeus, mais precisamente franceses, que moravam na Louisiana. O estado foi batizado em homenagem à Luis XVI e pertenceu à França até 1803 (antes pertenceu à Espanha) e era muito maior que as suas atuais delimitações. Uma parte foi cedida para a Inglaterra e a outra foi comprada pelo país que se tornaria os EUA que conhecemos hoje. Muitas das famílias francesas que lá estavam, permaneceram; transformando o estado num grande caldeirão de culturas, como a espanhola, a africana, a alemã, além da francesa e inglesa.
A estrutura de funcionamento da fazenda está toda lá, pra gente ver. Em algumas casas, é possível entrar pra ver como eram as habitações dos escravos. Diferente do que acontecia no Brasil, os escravos dos EUA nÃo viviam em senzalas, mas em casas como esta. Para ver mais, clique aqui.
Muitas das edificações estão bem maltratadas pelo tempo. Mas isso dá um certo charme à propriedade, que manteve-se intacta. Daí a importância de fazer a visita às duas plantations, porque na OAK há restauração e reconstrução de muitas coisas, com intenção de dar um ar renovado e de volta ao passado. Eles inclusive têm hotel lá! Já a Laura tem a intenção de mostrar como a realidade era, sem retoques.
Angola Prison - St. Francisville
Fonte: http://t0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcSYnmhWlpn5Iehhr6wzNRKwrqC-FhxL12Q7cH74UVo8UAetiqwW
Compramos um passeio para conhecer as dependências da Angola Prison, uma das maiores prisões de segurança máxima em funcionamento nos EUA. Foi considerada, durante muito tempo, a prisão mais perigosa do país. É onde se passa o filme "Dead Man Walking - Os últimos passos de um homem", com o Sean Penn e a Susan Sarandon. Eu achei meio mórbido o passeio antes de concordar em fazê-lo, mas meu marido queria muito ir pra conhecer um pouco sobre essa cultura do encarceramento dos EUA. E como é uma prisão histórica, com uma parte antiga desativada e aberta pra visitações. Eu pensei "Por que não?". Foi um passeio um pouco perturbador, porque eu pude ver de fato que para eles essa coisa de prisão é algo até meio batido, com tantos filmes à respeito e com a maior população carcerária do mundo... Parece que é algo bastante banal. Eu fiquei especialmente chocada com gente sentando na cadeira-elétrica desativada pra tirar foto sorrindo ou mesmo retorcendo o corpo, ou gente entrando nas celas, fechando as portas gradeadas e sorrindo pro flash. Enfim... Outra parte da visita nos levou a uma igreja dentro do presídio, onde um cara de 40 anos, condenado à prisão perpétua desde os 20 (quase todos os condenados hoje em dia no estado da Louisianna são "life in prison". É mais barato para o estado manter o cara preso a vida toda do que custear todo o processo necessário para matar um condenado. Mas ainda há alguns condenados à pena capital - algo em torno de 20% das condenações - no corredor da morte, aguardando a última refeição). Ele nos contou sobre a sua história de transformação por meio da fé e do trabalho dentro da prisão. Hoje, Angola é conhecida por este trabalho de evangelização dos presos, onde trabalham todos os dias e que tem até um campeonato de rodeio famoso no país inteiro. Não me arrependi de ter feito o passeio, de jeito nenhum. Foi muito instrutivo até. Mas não foi algo divertido. Não tirei fotos porque não senti vontade. Ah! Tem lojinha no final, tb. Um museu e os souvenires.
Natchez, MS e Frogmore Plantation:
Quase todos os dias o barco aportou numa pequena cidade às margens do rio. Cidades com história pra contar sobre a Guerra Civil americana. Uma das opções, incluídas no pacote, é pegar um ônibus daqueles de city-tour e ir conhecer os pontos importantes da cidade de parada. A outra, eram as excursões premium pagas a parte, por pessoa. Em Natchez, resolvemos fazer os dois: passeamos pela cidade durante o dia e à tarde fomos conhecer outra fazenda de algodão, longe dali.
Na cidade, descemos na Rosalie Mansion, que é mais uma das casas-museu sobre o período da Guerra Civil americana. Uma casa interessante, que passou por vários proprietários antes de tornar-se museu. Bastante preservada, o mais interessante pra mim foi a cozinha, que ficava fora da residência numa casa à parte. Uma pena que não pudemos passear mais na cidade, porque tivemos de voltar ao barco pra irmos visitar a Frogmore Plantation.
Fonte: http://mshistorynow.mdah.state.ms.us/images/148.jpg
Na Frogmore foi possível ver todo o processo de colheita e fabricação de fios de algodão. A fazenda preservou todas as casas dos escravos, a capela que usavam... Assistimos a simulações de casamentos dos escravos, cantos de igreja e tudo o mais. Foi muito interessante ver de perto tudo isso, inclusive o maquinário antigo para a limpeza e preparação do algodão, certificado pela fundação Smithsonian como raro, em bom estado e funcionando. Quem nos guiou pela propriedade foi a dona, que faz parte da família proprietária desde o período escravocrata.
Essa é a sede da fazenda. Não estava aberta pra visitação porque ainda é moradia da família.
A capela onde aconteciam os cultos e os casamentos. para saber mais, clique aqui.
Lavoura de algodão.
As casas onde moravam os escravos.
O lugar onde fica a máquina separadora de algodão.
Visitamos também a Longwood, que é uma mansão com arquitetura inspirada no oriente e que começou a ser construída alguns anos antes da Guerra Civil. A casa, que era de um magnata com família grande, ficou inacabada porque o ele faliu com o conflito. O primeiro piso chegou a ser finalizado e hoje funciona como um museu, mas é possível visitar a casa toda e ver ainda os materiais comprados dentro das caixas, esperando para ser usado. Uma construção que foi parada pela guerra e que permaneceu parada no tempo. Muito interessante também, a propriedade inteira é muito bonita!
Na volta para o barco, vimos papai noel desfilar pelas ruas, distribuindo doces.
Passamos dois no barco por conta de problemas de navegação pela cheia do rio. Com isso, o passeio que eu mais queria foi cancelado! Estava toda animada de poder ir a Clarksdale, no Delta do Mississippi, uma das cidades mais importantes do berço do Blues. Fiquei tão chateada que programamos uma ida lá depois, sobre a qual escreverei mais tarde.
A estada no barco foi bastante agradável. Muitas atividades pra fazer, shows para assistir, livros pra ler, jogos... A vista lá fora também era incrível e, mesmo estando muito frio, íamos de vez em quando dar uma espiada na paisagem e tirar umas fotos. Um passeio memorável! Uma das coisas que mais me chamaram a atenção é que o barco desliza tão calmamente sobre as águas que faz você jurar que está em terra firme.
Desembarque em Memphis, TN.
Na cidade berço do Rock N' Roll, é claro que fomos visitar Graceland. E como fizemos uma viagem somente em busca de boa música recentemente, onde voltamos a Memphis, escreverei sobre ela no novo post. Ficamos apenas um dia em Memphis mas deu pra ver que a cidade mereceria uma nova ida. Além da Beale Street, Graceland e os vários museus relacionados à música, a cidade ainda tem um Museu de Direitos Civis incrível, que funciona onde o reverendo Martin Luther King Jr foi assassinado. Muito mais do que um memorial, o museu conta toda a trajetória dos negros nos EUA, desde sua chegada como escravos, até os dias em que Barack Obama foi eleito. É imperdível! E ainda tem, é claro (americanos), a oportunidade de você olhar pela janela vizinha à que foi usada pelo assassino do Dr. King e observar a trajetória que a bala fez até matar um dos grandes líderes do país no século 20. O prédio onde o assassino se hospedou também faz parte do museu. É um dia inteiro de muita instrução.
Por conta disso, reserve uns 3 ou 4 dias pra poder curtir a cidade. Você vai me agradecer por isso depois.