“Onde você ainda se reconhece…?” (A Lista - Oswaldo Montenegro)

Mais de quatro anos se passaram e eu ainda ensaio um retorno diferente para o Blog. Com as redes sociais cada vez mais privilegiando conteúdos de dancinhas e videos curtos, me vi desmotivada a criar algum tipo de conteúdo pra compartilhar nas plataformas. Não que antes eu me estimulasse muito, dado que a ideia de trabalhar de graça pra bilionário ganhar mais dinheiro sempre me incomodou. Mas agora o novo formato, junto ao fortalecimento da extrema direita no mundo e facilitação de atos terroristas por todos os lados, me faz pensar do por que disso tudo. Penso que a ferramenta do blog é melhor neste sentido. Pelo menos para quem gosta de escrever, como eu. Aqui eu posso devanear num espaço criado e pago por mim. E se você quiser vir me ler, tanto melhor!

Já se completaram dois meses que estou de volta ao Brasil. Neste período eu me dei um tempo antes de voltar a encontrar pessoas do meu convívio. Eu precisava “terminar de chegar”. Engraçado este sentimento de que fisicamente você se moveu, mas psicologicamente ainda está em trânsito. Não sei dizer se isto está vinculado a falta da minha casa física e que, por isso, eu poderia me definir como uma tartaruga fora do casco. Ou se está mais ligado a busca por construir uma nova vida para reconhecer-se no lugar onde chegou. Podem muito bem ser as duas coisas ao mesmo tempo. E daí fico me perguntando como seria se já tivessem inventado o teletransporte. Seria possível a gente ser transportado dentro da nossa casa? A tartaruga com o casco? Nunca compreendi tanto aquelas cenas norte-americanas de carregar uma casa inteira num caminhão: a melhor imagem para aquela expressão “mudar-se de mala e cuia”.

A experiência de morar no exterior costuma ser muito glamourizada na imaginação das pessoas. É claro que há inumeras vantagens de ir morar num outro lugar: estar perto de pontos turísticos famosos e paisagens desejadas e incluidas no check-list de muita gente. Mas pare para pensar um pouco: quanta vezes você fez turismo na cidade onde mora? Você seria capaz de dizer a um forasteiro onde ir para ter uma ideia da sua cidade, que não fossem os lugares que você frequenta na sua rotina? Eu mesma admito que só conheci a famosa praça dos Cristais de Brasília em 2019. Brasília é minha cidade natal, onde cresci e vivi 32 anos da minha vida. Não foram poucas as vezes que conheci estrangeiros que conhecem mais o território brasilieiro que eu. E hoje posso dizer que conheco mais o território estadunidente e o chinês do que o do meu próprio país.

Quando eu chego num novo lugar, minha primeira reação é um misto de encantamento e retração. Curiosidade pelo diferente e medo do desconhecido. Na China, por exemplo, mais especificamente Pequim - cidade em que morei-, eu levei um tempo para lidar com a poluição do ar. Chegamos no verão e fiquei muito assustada com o aspecto leitoso do céu da cidade. Aos poucos, fui percebendo que isso não acontecia todos os dias, que haviam mais dias de céu azul e ensolarado. E me adaptei tanto ao ponto de achar incrível quando houve uma tempestade de areia tão forte que deixou o céu da cidade cor de laranja. Acostumei rapidamente ao uso de máscaras antipoluição para me preservar - já que tenho asma -, e a vida floresceu. Agora estou vivendo um momento parecido. Porém, estou em Brasília. Você pode se perguntar como isto é possível sendo que vivi a maior parte da minha vida aqui. Mas aí tem-se de fazer um raciocínio inverso: o que daquela cidade que conheci ainda existe? Você já visitou uma escola, onde você foi muito feliz quando criança, depois de adulto? Qual foi a sensação? Procurou-se nos pátios e parquinhos, brincando com os colegas? É possível estar em um lugar cheio de memórias e não se deixar consumir por elas? O que é mais complicado: visitar memórias de um tempo perdido ou procurar lugares onde seja possível se reconhecer quando num país novo? Eu não tenho esta resposa. Aprendi somente a me dar o tempo que necessito para “termminar de chegar”. E tenho consciência de que isso é um luxo para muita gente. Um privilégio, mesmo que também sofrido.

No momento em que escrevo vivo uma experiência diferente. Peguei minhas coisas, meu computador e demais instrumentos para trabalho e vim a um bairro mais afastado do plano piloto, onde não tenho memórias. Sentei num café que queria conhecer há um tempo e comecei a escrever. Isto poderia tornar-se um hábito. Talvez eu consiga fazer isso. Mas enquanto o meu casco/ casa não chega, vou continuar me permitindo experimentar, no intuito de criar um novo capítulo nesta cidade de momentos tão especiais. Mergulhar na nostalgia quando preciso, tentando manter a cabeça fora da água pra ver o que acontece lá fora. E, aos poucos, ir tomando conhecimento da minha nova vida em Brasília. Vou conseguir? Te conto depois.